quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

/18.

Lágrimas, não as tenho.
Estou de cinzas
mais baixo que eu

oiço o solo longe
que sou surdo
só de falsa vontade

Está mesmo aqui
tão cúmplice e vazia
como o barulho
de umas pálpebras a fechar

Entra e sai
e sai e entra

Ricardo Costa

Lá fora

Lá fora onde se escorre
a noite preguiçosa
sendo o dia que morre
de forma lenta e orgulhosa!

Tem um negrume escuro
com salpicos de claridade,
uma linha para o futuro
um horizonte de saudade.

Sossegasse ali, a suspirar,
o crepúsculo do fim de dia.
Assim, vai ensinando a amar
a quem já se esquecia!

Ricardo Costa

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Assim duro (Glosa)

Há quanto tempo assim duro
Sem vontade de falar!
Já estou amigo do escuro
Não quero o sal nem o ar.


Fernando Pessoa - Há quanto tempo não canto

Hoje, mas que mal morto estou
de ser inútil e impuro,
quando a pureza não mais voltou
Há quanto tempo assim duro.

Fecho-o, de corpo meio aberto.
O ócio do não bem estar,
nem de outro que fica incerto
Sem vontade de falar!

É o tempo, tempo que foi esquecido
pela agonia que ao pescoço penduro.
A queixa de um coração enegrecido
Já estou amigo do escuro.

Não choro porque não tenho vida,
sem isso porque não abandonar?
A vida, já que me foi esquecida,
Não quero o sal nem o ar.

Ricardo Costa

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Que importa perder a vida

Que importa perder a vida
se dela nada sobressai.
Se como nada: é esquecida
Se como tudo: se esvai.

Para quê ter assas para voar,
se do chão se sente saudade.
Para quê a capacidade de amar
se ninguém o faz de verdade.

Para que serve esta Razão,
De uma verdade já usada.
Para que serve a vida então?
Se já a dão como acabada!

Ricardo Costa

/17.

O amor é tão silencioso
que usa o beijo para se apresentar

Ricardo Costa

sábado, 11 de dezembro de 2010

Um amor proíbido

O seu corpo encerrava os prazeres do mundo
num inventar que sorria revoltado
sem que pudessem minhas mãos ter tocado
naquele corpo onde me desejei fecundo.

Desciam-lhe os dedos pelas pernas de desejo
a língua cruzando seus seios com vontade
sem pudor, dois corpos em suma sexualidade
perdendo-se no caminho do proibido beijo.

Nos corpos nus de expectante prazer,
o sabor do pecado nos lábios molhados,
as ânsias do sexo em pleno movimento

naquele corpo impossível de se ter
o sorriso, já os fluídos libertados
transformado em lascivo contentamento.

Ricardo Costa

O entender da calma (por parte de um gato preto)

Todos os gatos pretos
têm a paciência de mil olhos
fechados.

Ricardo Costa

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Passados

Para ser velho
basta nascer novo e crescer jovem...

Para ser novo
basta fechar os olhos e recordar...

Ricardo Costa

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

um título esquecido, nessas ondas que por vezes matam (de saudades)

Subjazem tristezas perdidas
ao odor de cada lágrima entornada.

É metade da caminhada
o nascer da ferrugem onde outrora
abraços viveram

ternura é medo maquilhado.
E do sangue nada se ouve
a não ser o riso amoroso da brisa

quem cabe sozinho num quarto cheio
se fecha ao mar
apenas uma cadeira no coração

dois míseros segundos e já passou!

depois a areia calcada volta para
a sua sôfrega solidão
e nenhum sangue, suor ou beijo rude

te resgata
de um naufrágio em terra seca...

Ricardo Costa

domingo, 5 de dezembro de 2010

Numa página branca

Numa página branca
escreve-se como um cego
vê sem ver

E são
aquelas artérias
de pura nudez

que com tinta
se amam
num falso branco

...o sono cresce na lentidão
de um virar desajeitado...

Ricardo Costa

sábado, 4 de dezembro de 2010

O silêncio de um silêncio

Desde as distâncias um silêncio
que me faz calado

a sede da sabedoria
os toques que me abandonam
igual ao tempo
a vontade de tocar em algo
a ausência desse corpo
essa ilusão do silêncio

a mão que desamarra
o deserto usado de água
o silêncio das montanhas
morre
esconde-se em final de dia
a ironia de um grito
dado fora de tempo

essa estrada que atravessa a madrugada
o oculto canto
uma ponte sobre o coração
e um bilhete para o escuro do abismo

Ricardo Costa