domingo, 27 de março de 2011

As paredes do meu quarto

Resolvi pintar as paredes do meu quarto em tons de arco-íris para que cada cor me lembre de ti.
Primeiro,
vou comprar as tintas
não podem ser qualquer umas, têm de ser daquelas brilhantes e bonitas
depois,
é preciso pincéis e daqueles rolos grandes (que não me lembro do nome)
e também umas escadas para chegar ao céu
por último,
acho que também vou comprar alguma coisa para proteger o chão.
Agora que estou mais leve da carteira
é fácil levar isto tudo para o meu quarto,
só falta agora decidir por onde começar.
A parede maior
aquela mesmo à frente da cama
vou pintar de violeta
a tua cor preferida
Assim quando acordar de manhã e olhar em frente
irei lembrar-me do teu sorriso
-haverá forma melhor de acordar?-
A parede atrás da cama
a primeira que vejo sempre que entro no quarto
essa vou pintar de amarelo.
Assim sempre que chegar a casa cansado e desanimado
vou-me lembrar daqueles dias solarengos que passamos juntos e
aquelas coisas de alegria instantânea
irão me fazer sentir muito melhor.
- que pena só ter cinco paredes no meu quarto-
A parede do lado esquerdo
a da janela que dá lá para fora
vou pintar metade laranja e metade indigo.
Assim mesmo que esteja um dia chuvoso e escuro
se calhar de eu olhar para esse lado
vou ser feliz.
O laranja irá me recordar o teu fruto preferido
logo irá me fazer lembrar de ti
do teu cheiro
do teu sabor
e o indigo - nobre cor essa
irá me fazer lembrar os teus lindos olhos límpidos
e de todo o amor que deles brotam.
A parede oposta
a do lado direito, aquela que tem a cómoda,
e alguns desenhos disparatados
- e muito feios por sinal -
dos meus tempos de criança rebelde,
essa mesma vou pintar de vermelho e de verde.
Assim quando olhar para esse lado
nem que seja de relance
nem que seja num milésimo de segundo,
o verde irá me fazer lembrar da nossa primeira noite
sabes, aquele suave lençol verde,
e o vermelho
esse vermelho irá me recordar a paixão e o amor que sinto por ti
sendo assim impossível não to dizer
pelo menos uma vez ao dia - ou muitas.
Por fim, o tecto,
esse vai ser de cor azul
- eu disse que queria uma escada que chegasse ao céu -
e vou pinta-lo no tom azul do céu claro e sem nuvens
para que
quando estiver deitado e olhar para cima antes de dormir
me lembre de sonhar contigo
me lembre de tudo o que somos
e de te ligar pare te dizer uma última vez esse dia que te amo.
Sim
vai ser assim que vou pintar o meu quarto
que achas meu amor?

Ricardo Costa

R"(E)U"A

As ruas deste caminho já não se conhecem,
nem ao sol
ao mar
nem aos restos de orvalho da manhã.
Viram as pedras da calçada abandonarem à pressa
e as passadas dos cães que se ouvem ao longe,
os pedaços de aves no chão como mau augúrio
ao choro do vento
ao riso das lágrimas da chuva
que bate, desconhecendo, por bater a quem conhece
sem lembrar a quem
sem sequer pedir
quem quer que viesse sem avisar,
e o não saber como uma carta mal endossada
pendia das varandas que encimavam as ruas.
Ninguém.
Ninguém quer mais saber de coisa alguma
se é árvore - corta
se é pedra - move
se é corpo - ignora
também a doença do coração
e da cabeça
e da manhã e da noite
como se fosse isso
como se fosse vivo.
Eu vivo!
Não lembro. Não sou isso.
Todos perguntam, mas ninguém quer saber
na verdade
é mentira que se interessam
só querem não conhecer, morrer em paz sem saber
o esquecimento
como quem esquece e não lembra a rua que tão bem conhece,
e então faço-me de rua,
Rua D. Pedro III - aquela rua do carro abandonado e dos ninhos de gatos vadios que choram de fome e frio.
Rua Mário Augusto Felgueiras - aquela da loja de armas no canto esquerdo do edifício degradado cheio de graffitis nas paredes.
Rua de Cima - aquela perto da estrada nova e do centro comercial a que ninguém vai.
Rua de Baixo - aquela estrada de bois que ninguém usa.
Imagino ser alguém
Nesses momentos vagos do perfume do sonho
que começa e acaba sempre da mesma forma,
começando e acabando
acabando e começando
e à noite, quando for hora de ir deitar,
gosto de lembrar
toda a gente que passa e não liga
sabes, como fazem ás ruas,
e é por isso
por esse mesmo motivo
que adoro ver o mundo pelos meus olhos cansados
e, ainda assim,
viver como a Rua do Sossego
amar como a Rua das Paixonetas
e dormir como a Rua da Felicidade...

Ricardo Costa

domingo, 6 de março de 2011

Meu não ser, tenho, que já não possuo

Meu não ser, tenho, que já não possuo
E nunca tive por começar
Tomara saber isso, obra divina, por mim
o resto dos dias são da loucura repetida.

Nada por nada: Nada em mim
Assim talvez, quem sabe, nos Deuses que não vejo
Lugar em seco de anos e raízes
Que do jardim, minha mente, me mente também.

E da beleza, quem goze com ela, eu não
Me fecho em par, inteiro, só e meu
Me tirem a morte e os olhares expressivos
Que me queimam as posses e os mares de outrem
Sem me deixarem abrir porta que seja.

Ricardo Costa

sábado, 5 de março de 2011

Depois, quer-se mais

Um sussurro entre as sedas
Noite entre pingos de luz
Suaves toques de maresia e aromas vários
Prazeres e plumas
E o céu a descoberto

Gemido intuito
A um beijo contrabandeado
Do fundo do escuro branco
Um riso disfarçado

A confusão de pernas e braços
Volúpia de sensações
Tentações e tensões
Olhares desligados e suares quentes
Quase exagerados

Olhos marejados de pérolas
A língua irrequieta de sabores
Aos seios, ás pernas e ao resto
Audácia do grito sádico
O cair da rede por momentos
e a avalanche de firmeza - dentro e fora!

Os arrepios
A saliva
A erecção
O desanuviar -
- O beijo de despedida.

O levantar de manso
E o voo dos lençóis poisados

A tristeza da partida
E os gemidos de querer mais
Mais, mais..

Ricardo Costa

Sentir-me enlouquecer

Já nada sei que nada saiba
Se algum dia vim a saber
Em mim - a ligeira raiva
Do sentir-me enlouquecer.

Ricardo Costa

terça-feira, 1 de março de 2011

?

Vem, que de rápido se erguem os dias
e ainda há pouco o soluçar findou,
mesmo sem estares com o teu vestido violeta
e as flores não mais aquecerem.
Isto é o medo da inversão das ideias,
O inverso da luz do sol
e o transverso da idade velha.
Vem, a caminhar por esses pequenos passos
por debaixo das tiras de pesadelo
que o meu corpo estende no chão
(será inútil esse riso enganado),
quando vieres deixa o que falseaste na entrada
do jardim morto.
Tem inspirações espontâneas de coisa alguma
e de nada também.
Vem sem vires, mas vem na mesma
que eu não gosto de ter gente comigo quando estou só.
Terei que ser eu por momentos
e tu por outros, já que te resolves a esconder da verdade,
terei que agonizar a matéria
e mentir caso necessário para que vivas descansada
e me deixes dormir ao fim do dia.
Mas vem, não deixes de vir com um sorriso na face
mesmo que seja um sorriso triste
e por dentro nada mais sintas que uma alegria contida
pelo desastre.
Com o maior do respeito, te porei fora de portas
que cá dentro não cabe tamanha arrogância!
Vem de avião e chega de barco com um carro no bolso
e viagens na cabeça,
tira areia dos ouvidos das ilhas salgadas que viste
e molha o chão com os pedaços do céu que roubaste.
Vem depois disso tudo de novo
que quero viajar contigo para os locais de onde vens.
Não te esqueças
porque eu só me lembro de não te querer aqui.

Ricardo Costa