domingo, 27 de março de 2011

R"(E)U"A

As ruas deste caminho já não se conhecem,
nem ao sol
ao mar
nem aos restos de orvalho da manhã.
Viram as pedras da calçada abandonarem à pressa
e as passadas dos cães que se ouvem ao longe,
os pedaços de aves no chão como mau augúrio
ao choro do vento
ao riso das lágrimas da chuva
que bate, desconhecendo, por bater a quem conhece
sem lembrar a quem
sem sequer pedir
quem quer que viesse sem avisar,
e o não saber como uma carta mal endossada
pendia das varandas que encimavam as ruas.
Ninguém.
Ninguém quer mais saber de coisa alguma
se é árvore - corta
se é pedra - move
se é corpo - ignora
também a doença do coração
e da cabeça
e da manhã e da noite
como se fosse isso
como se fosse vivo.
Eu vivo!
Não lembro. Não sou isso.
Todos perguntam, mas ninguém quer saber
na verdade
é mentira que se interessam
só querem não conhecer, morrer em paz sem saber
o esquecimento
como quem esquece e não lembra a rua que tão bem conhece,
e então faço-me de rua,
Rua D. Pedro III - aquela rua do carro abandonado e dos ninhos de gatos vadios que choram de fome e frio.
Rua Mário Augusto Felgueiras - aquela da loja de armas no canto esquerdo do edifício degradado cheio de graffitis nas paredes.
Rua de Cima - aquela perto da estrada nova e do centro comercial a que ninguém vai.
Rua de Baixo - aquela estrada de bois que ninguém usa.
Imagino ser alguém
Nesses momentos vagos do perfume do sonho
que começa e acaba sempre da mesma forma,
começando e acabando
acabando e começando
e à noite, quando for hora de ir deitar,
gosto de lembrar
toda a gente que passa e não liga
sabes, como fazem ás ruas,
e é por isso
por esse mesmo motivo
que adoro ver o mundo pelos meus olhos cansados
e, ainda assim,
viver como a Rua do Sossego
amar como a Rua das Paixonetas
e dormir como a Rua da Felicidade...

Ricardo Costa

Sem comentários:

Enviar um comentário