I - Janeiro
Jaz, assim de braço posto,
Como se (nunca) tivesse começado.
Velhice que lhe atinge o rosto
Na sua certidão jaz, errado.
Depois, só o frio se contenta
Já perdido o passado na neblina,
Que é o Fado mais que a tormenta
Do que passar ignorando a sina!
Louco e só na sua memória,
Suave desvanecer de sua lembrança.
Como se esquecer trouxesse glória
E lembrar desse esperança!
II - Fevereiro
Dum qualquer dia esquecido
Onde parece incerto o querer.
Ah, quando já se dá por perdido,
Sendo um coração ferido
Tudo o que resta para ver!
Que angústia fria!
Esta que nos dá o medo...
A nossa alma sombria
Que só e vazia
Se perde em desassossego!
Quanto não mais do que parece
Arrasta lentamente cada prece,
Se, da prece, cada ânsia de ser
Resolve-se cair...morrer!
Seria o dia que agora acaba,
Metade de tudo, metade de nada.
Onde o fim serve a loucura
E toda a dor não esperada
Dura...Dura...Dura...
III - Março
Nada. Só a agonia do ficar...
O tempo passa em suave passeio,
Passa passando onde eu creio
Nada mais se resolve mostrar!
Tudo é fácil! Uma solidão de amor.
Um sorriso que foi esmorecendo
De uma figura já envelhecendo
Que da vida só aproveitou a dor.
E agradece, vazio, sua bondade...
Se como a chuva caísse no pasto
Seu rosto já cansado e gasto
Nada mais diria do que saudade...
Tudo. Inútil tentativa de mudar.
Moldando o pensar e a mente,
Sentindo só como se não sente
Ficando-se parado a chorar!
IV - Abril
Pouco interessa o que sou.
Já que não sou o que ouso saber,
Sou o que o outro me tirou
Sou metade do meu ser.
Assim é esta vida insana,
Nada que sou por inteiro serei.
Alma que dividida se faz profana
Reclamando o que não terei...
Ah, como não fiz minha vida!
Em mim como uma solidão...
Terrível agonia que esquecida
Me vai matando o coração!
V - Maio
Vivemos pendentes, como sem dono
Acumulando em nós todo o sono.
Se ao sono dermos nosso abandono
Nosso abandono do sono será dono!
São artífices de sem-abrigo.
Como se do abrigo morresse o perigo!
Mas sem perigo não há abrigo
E com "sem" há sem-abrigo.
Mas nada fiz. Eu bem sei...
Como se soubesse o que serei!
O que sou? - Eu não sei
E sem o saber não o saberei!
E assim a vida termina...
Numa certa incerteza da sina!
Quem determina a incerta sina?
Ah, termina vida...Termina.
VI - Junho
Inúteis esses dias que mortos vejo
Poisados pachorrentos sobre a mão.
Como sem assas voa um desejo
Tento voar sem sair do chão!
Terrível calor que o frio me traz,
Em sua bagagem uma tristeza!
Serei só eu o incapaz
Que se verga perante a incerteza?
Não! Já sonhei voos mais altos!
Sonhando então a perfeição,
Sonhei sonhando sonhos incautos
Que recearam rejeição!
Mas, como eu, mostram-se fracos
Estes sonhos feitos de trapos...
Pois em trapos está meu coração!
VII - Julho
Quantos amores se perdem no ar?
Levemente puxadas pelo vento...
Como se não fosso o amar
Mais que uma forma de desalento
Doce! Quão impuro é este mundo?
Se nesta paisagem desolada
Tudo o que há é certamente profundo
Menos o amor, que não é nada!
É como se esperasse eternamente,
Na loucura de um pensar.
O sentir que em si dormente
É nada de nada: só amar!
VIII - Agosto
Quem pintou o jardim de verde?
Quem ousou o jardim pintar?
Se este nunca pintura teve
E quem pintou foi-se enganar!
O jardim não tem cor!
Como não tem a felicidade,
Seria possível pintar a dor
Dando-lhe um tom de bondade?
Parece ás vezes que sim,
Que certas pessoas acham verdade.
São essas que pintam o jardim
Distorcendo a realidade!
IX - Setembro
Olho, vendo só que nada vejo.
Nada me resta, nada restou,
Nem um pequeno desejo
Dos que minha vida almejou!
Como um sol que se escondido,
Me não consigo encontrar.
Em minha mente sempre perdido
Mas receando me encontrar.
Não sou de ninguém. Nem meu!
Sou outra pessoa por dentro.
Outra pessoa que recebeu
Minha alegria e contentamento.
Ah! Como é fácil chorar!
Difícil é pensar que é felicidade.
Mas mais difícil é amar,
Não sabendo se o amor é verdade...
Mas sabendo eu que não sou o ser
Que nesse corpo por mim vive,
Deixo-o ir, para que possa ter
Toda a tristeza que ainda não tive!
X - Outubro
Simples canção ao ouvido
Que sem saber
Em mim tudo se faz esquecido
Esse esquecimento que ouso ter,
Morte...sim!
Do meu ser
Já que meu corpo está acabado,
Sem nada...
Como que derrotado
Só sobrando uma canção nobre
Que, mesmo Rei,
Me trata como pobre...
E eu sem nada poder falar
Calado!
Num silêncio de estalar
Que lentamente me arrasta.
Em braços fortes
De uma morte sombria e nefasta!
XI - Novembro
Que queres? Ouve! - São mil sentidos fechados
Vê! - Tudo é teu, basta quereres.
Toma! - Se os não queres prendados,
Para os sentires antes de morreres!
Descansa então! - como um segredo vadio.
Se como nevoeiro te cobre de amores,
Sorri! - Abraça o sentir que vem tardio
Na dita estrada dos tais sabores.
Luta! - Nada importa se não venceres...
Mesmo que venças sem nisso pensar.
Vence! - Pois assim quando te fores
Eu viverei com o teu amar...
XII - Dezembro
Tudo se resume num final perfeito,
Em todas as horas de um dia...
Se como um sonho já desfeito
Se revivesse por magia!
E jaz! Como no início...
Um frio que te mata o sono.
Sendo que nenhum precipício
De ti se faz soberano dono.
Sendo assim: Só o querer!
Resta do que sobrou da vida,
Nenhuma treva para prender
Uma vida para ser vivida...
Ricardo Costa
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