sábado, 27 de setembro de 2025

Luz que apaga

 I) Memória

O masoquismo de querer a solidão tira-me
O apetite de descobertas.
Dizem que na origem se esconde a resposta
Mas só acho repercussões inaudíveis de
Momentos contraditórios ao estado de
Espírito.
 
O registo quotidiano
É uma arquitetura passageira de gestos e 
Palavras,
De perfumes e sabores que salivam
Recordações.
Um testamento insidioso de uma peça de
Teatro que se auto-proclama vida,
Mas que se encolhe perante cada equívoco
Cinematográfico.
 
Há sussurros  que ainda ecoam nos passos
Em sintonia com a desventura.
Há gritos que ainda invadem o sossego que 
É ser algemado justamente.
 
Recordar é um vício sem antídoto.
 
É escolher o que fica e o que se perde.
 
Recordar é um vício sem antídoto.
 
II) Dor
 
A arqueologia da dor não é ordenada.
 
A dor nasce do silêncio húmido,
Torna-se uma lâmina que se afia sozinha
Nas lágrimas que crescem como ferrugem
No peito.
 
Corta
E
Retalha
 
Torna-se, por vezes, bela
Uma beleza de sombras que mascara todo
O sol, todo o calor.
Com veemência constitutiva, a dor é uma
Aprendizagem
As poeiras do tempo rasgam as folhas de 
Instruções -
"Como ultrapassar a dor"
Mas as cicatrizes permanecem mais vívidas
Que tatuagens na carne.
 
Corta
 
Subsistimos por omissão
Amadurecemos por supressão
Aprendemos por adição.
 
Retalha
 
Mesmo que tudo termine bem, a terra que
Nos serve de lençol
Nunca é tão dura como as lições que a sina
Nos confessa.
 
III) Esperança morta
 
Os dias persistem de forma estranhamente
Diária.
Tudo o que foi ontem, repete-se hoje de
Uma forma subtil em trejeitos de cópia
Pálida.
 
Demasiado fácil supor que amanhã tudo
Será distinto
Mas está morta toda a crença que foi
Plantada em solo estéril!
 
Subjazem tristezas perdidas no odor de
Cada lágrima
Cada pensamento.
E no limiar das vivências apresenta-se uma
Sôfrega solidão de um naufrágio em plena
Discordância.
 
A sepultura do otimismo.
O túmulo da confiança.
 
Peçonhenta alegria que brota das
Transgressões humanas para com os
Próprios.
 
O amanhã já nasce cadáver.
 
Frio e repetido
Frio e repetido
Frio e repetido
 
IV) Silêncio
 
O silêncio é o carrasco da sabedoria.
É uma fala muda e uma escrita invisível - o
Tumulto das gargantas em cânticos
Satanicamente piedosos.
 
Por vezes é resposta.
Por norma é pergunta.
 
Numa razão parcialmente humana o
Silêncio age como cúmplice de toda a culpa
E premeia o suicídio artificial das emoções
Contidas nos crucifixos quotidianos.
 
É espada que não fere.
É pistola que não dispara.
 
Sendo o parágrafo final
Um sossego tenebroso de uma ira
Desajeitada
A surdez na presença das verdades onde se
Guardam todos os segredos que apodrecem
Incólumes.
 
É a noite: é o vazio.
 
A forma de matar com a paciência de mil anos. 

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Corações em ruínas

Este resumo não está disponível. Clique aqui para ver a mensagem.

Raízes do abismo

I) Identidade

Ao despontar no mundo, um
Toque e aroma de espinhos
Corre a tinta adiante o prólogo.
 
Sinto-me cada vez mais, mais só,
Mais eu - matéria secreta.
 
Aprendo-me ao observar num reflexo
Um espelho que torce a alma
Os olhos quase que de ninguém
Reconhecimento na terceira pessoa!
 
As batalhas são feitas para os vencedores
Instante da disparidade, um objetivo
Analogia do ser, periodicamente
Mais opulento que autêntico.
 
No epílogo da vida ainda me desconheço
Mas no auge da inexistência já sou eu.
 
II) Corpo
 
A mecânica da vida
A transfiguração latente de uma ideia
Um move-move que cresce
De forma natural e distinta
Torneando a alma amorfa
Imutavelmente inconstante
Numa coisa palpável de deslocação finita.
 
Um braço ou uma perna
Quiçá o coração, na boca, na mente
Sou um cavalo de Troia
O cheiro do eu é combustível para o corpo
Sensação plausível
Para que a carne chegue a ser gente.
 
III) Morte
 
É o viver que nos faz mortos
E a morte que nos faz viver.
 
O corpo é um pranto contínuo
Dois lados de um vinil
A ambiguidade da ideologia humana
A aprendizagem
O credo
Ciência e religião
Doutrina do dia-a-dia
A heresia de findar o que não seja próprio. 
 
O baldio de terra revoltada
A comichão que é a putrefação
O oco da existência:
Só sobrar pó e osso
Este negro tem um sabor erróneo
Este peso tem um valor justo.
 
O valor da vida
Só é estimado
Se a morte não calar a memória.
 
IV) Vazio
 
A semente do fim já germina
Em ecos soltos
E pensamentos quebrados pelo silêncio.
 
O sangue que jorra diluído
A exaltação do incógnito, a tardia
Arritmia de um músculo frívolo.
 
A música que toca é já o passado.
Quase como se o hoje fosse ontem,
O ontem amanhã e o amanhã fictício!
 
Dentro da morte existe o corpo
Dentro do corpo existe o eu
Dentro do eu já pouco existe.
 
Num momento diminuto
O que havia já não há.
 
O vazio sobra.
 
O vazio resta.
 
O vazio é. 
 
 

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A fervura do invisível

O invisível arde, firme e sóbrio
Ferve como uma solidão intensa
Transparentemente dele, próprio
Que incendeia sem ter presença.
 
Cada gota que o corpo alimenta
Procurando prender o ar em si
Incómodo que já não se aguenta
Sensação de não estar aqui.
 
É como um sorriso indefinido
Vestígio de calor residual
Uma miragem: abraço sentido
Secura que roça o paranormal.
 
É feito à minha imagem: oculto
Mesmo as lágrimas são mar quente
Toda a vida se torna insulto
Se deixarmos o calor dormente. 
 

Cansaço circular

O dia começa igual ao de ontem
O mesmo café, o mesmo sabor
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo silêncio, o mesmo labor.
 
O mesmo caminho, passos contados
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo relógio, segundos cansados
O dia começa igual ao de ontem.
 
O mesmo cansaço, vil lamento
O dia começa igual ao de ontem
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo silêncio, rude sentimento.
 
O dia começa igual ao de ontem
A mesma sentença, sempre fadiga
O mesmo fado, triste cantiga
O dia começa igual ao de ontem.
 
O dia começa igual ao de ontem 
O dia começa igual ao de ontem  

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

O voo das pombas ao amanhecer

Amanhecer: Vida caoticamente calma
Entra a luz nas sedas do sono
Pernas abraçadas ao sal da alma
Suave brilho num severo trono. 
 
Janela que abre nas pinturas de céu
As cortinas e pombas a flutuar
Conquistam o ar - régio troféu
Movem-se sem necessidade de ensaiar.
 
O eco das assas é a voz do desgaste
Cordas vocais do fim do mundo
Prisão de carne: em contraste
Liberdade da mente: um segundo.
 
A calma aquém da tempestade
O negro do vento trauteia solitário
Pensamento em prol da saudade
Contemplando sem ser contrário.
 
Ao longe a pomba - voa livremente
Liberta do medo da sombra e ironia
Fecho os olhos e suavemente
Renovo em mim o ritmo do dia! 

O tempo: A prisão

Cada segundo é uma adaga
Um instante de sonoridade escura
Grilhetas de mentira confessada
Ironicamente ausente e vaga
No relógio com história apagada
Na lágrima que produz secura.
 
Ampulhetas que me sangram o peito
Festim dos deuses e demónios
Derrete-me os pulsos, contrafeito
Da vida sem sombra de proveito
Sem norte, sem sul, sem jeito
Certa dos seus antónimos.
 
Na cela da carne, o tempo é nefasto
Ele que se veste de ausências mudas
Beija-me as faces de coração gasto
Garras que pintam sem deixar rasto
No universo colericamente vasto
Escrito e dito segundo a lei de Judas.
 
A prisão do tempo é um ensaio final
Um sabor destruído, vil e certeiro
Cárcere milagrosamente incondicional
Ecos de um grito primordial
Pleno, vivo e quase irreal
Fecha-me os olhos com um gesto derradeiro! 

Beleza pouco tem que ver com verdade (Haikus)

Suculenta beleza
O inóspito. O ser
Chora por medo.
 
Distopia: o ar
Abraços contundentes
Retratos ao sol!
 
Página branca
A espada na pedra
Alma repleta.
 
Noite de luar
Olhos desmantelados
Sem verdade.
 
Grito do fado
Flores como segredos
Reflexos vagos.
 
Prisões: perceções
Esperança de amar
Espelho da dor.
 
Perseverança
O ruído disforme
Mente sadia.
 
Nada que reste
Sombria e distante
Triste beleza.
 
Falta de sonhos
Mais vale silêncio:
Real certeza.

Poemas de silêncio e ruína

 a)

Sodomiza os meus versos
Sê quimérica;
Mostra a audaz cobardia
Simulando
Um rumor utópico
Do maior
Provérbio de amor!
Emudece
O troar do sossego
E concebe
Sem dó
Com piedade
Um relato vazio
Da narrativa muda.
 
b)
 
A presença da ausência
Um terror
Um tremor
Vassalo sem falência
Uma dor
Um calor
Satura a consciência
Um pudor
Um amor
Conveniente demência
Um rancor
Um furor
Essência da cadência! 
 
c)
 
E um cansaço
Um corpo falido de uma comoção
Comprada
 
Subornar alegrias
É um propósito
Intento a tentação das tentativas
Alienado
Por um fatalidade motriz.
 
Sucumbo
Ao júbilo da inocência
Que é ser inexistente.
 
O declínio do ser
 
O escombro da vida
 
A ruína e o silêncio. 

Amor louco de insanidade dormente

 Em qualquer dia que faltam dias
Juro-me  insaciável de emoções
Prego, ó blasfémia, destilo sensações 
Tudo padece de falsa harmonias! 
 
Cerco-me de utopias insanas
Planto o pé, finco o coração
A fase das mitologias urbanas
Sintetiza mais que solidão!
 
Crescemos do ambíguo vácuo
Poderosos por poder decidir
Mas sem voz, sem nós, ausentes.
 
Lutamos pelo abismo estático
Que se fantasia de elixir:
Amores loucos de insanidades dormentes.