I) Memória
O masoquismo de querer a solidão tira-me
O apetite de descobertas.
Dizem que na origem se esconde a resposta
Mas só acho repercussões inaudíveis de
Momentos contraditórios ao estado de
Espírito.
O registo quotidiano
É uma arquitetura passageira de gestos e
Palavras,
De perfumes e sabores que salivam
Recordações.
Um testamento insidioso de uma peça de
Teatro que se auto-proclama vida,
Mas que se encolhe perante cada equívoco
Cinematográfico.
Há sussurros que ainda ecoam nos passos
Em sintonia com a desventura.
Há gritos que ainda invadem o sossego que
É ser algemado justamente.
Recordar é um vício sem antídoto.
É escolher o que fica e o que se perde.
Recordar é um vício sem antídoto.
II) Dor
A arqueologia da dor não é ordenada.
A dor nasce do silêncio húmido,
Torna-se uma lâmina que se afia sozinha
Nas lágrimas que crescem como ferrugem
No peito.
Corta
E
Retalha
Torna-se, por vezes, bela
Uma beleza de sombras que mascara todo
O sol, todo o calor.
Com veemência constitutiva, a dor é uma
Aprendizagem
As poeiras do tempo rasgam as folhas de
Instruções -
"Como ultrapassar a dor"
Mas as cicatrizes permanecem mais vívidas
Que tatuagens na carne.
Corta
Subsistimos por omissão
Amadurecemos por supressão
Aprendemos por adição.
Retalha
Mesmo que tudo termine bem, a terra que
Nos serve de lençol
Nunca é tão dura como as lições que a sina
Nos confessa.
III) Esperança morta
Os dias persistem de forma estranhamente
Diária.
Tudo o que foi ontem, repete-se hoje de
Uma forma subtil em trejeitos de cópia
Pálida.
Demasiado fácil supor que amanhã tudo
Será distinto
Mas está morta toda a crença que foi
Plantada em solo estéril!
Subjazem tristezas perdidas no odor de
Cada lágrima
Cada pensamento.
E no limiar das vivências apresenta-se uma
Sôfrega solidão de um naufrágio em plena
Discordância.
A sepultura do otimismo.
O túmulo da confiança.
Peçonhenta alegria que brota das
Transgressões humanas para com os
Próprios.
O amanhã já nasce cadáver.
Frio e repetido
Frio e repetido
Frio e repetido
IV) Silêncio
O silêncio é o carrasco da sabedoria.
É uma fala muda e uma escrita invisível - o
Tumulto das gargantas em cânticos
Satanicamente piedosos.
Por vezes é resposta.
Por norma é pergunta.
Numa razão parcialmente humana o
Silêncio age como cúmplice de toda a culpa
E premeia o suicídio artificial das emoções
Contidas nos crucifixos quotidianos.
É espada que não fere.
É pistola que não dispara.
Sendo o parágrafo final
Um sossego tenebroso de uma ira
Desajeitada
A surdez na presença das verdades onde se
Guardam todos os segredos que apodrecem
Incólumes.
É a noite: é o vazio.
A forma de matar com a paciência de mil anos.
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