I) Identidade
Ao despontar no mundo, um
Toque e aroma de espinhos
Corre a tinta adiante o prólogo.
Sinto-me cada vez mais, mais só,
Mais eu - matéria secreta.
Aprendo-me ao observar num reflexo
Um espelho que torce a alma
Os olhos quase que de ninguém
Reconhecimento na terceira pessoa!
As batalhas são feitas para os vencedores
Instante da disparidade, um objetivo
Analogia do ser, periodicamente
Mais opulento que autêntico.
No epílogo da vida ainda me desconheço
Mas no auge da inexistência já sou eu.
II) Corpo
A mecânica da vida
A transfiguração latente de uma ideia
Um move-move que cresce
De forma natural e distinta
Torneando a alma amorfa
Imutavelmente inconstante
Numa coisa palpável de deslocação finita.
Um braço ou uma perna
Quiçá o coração, na boca, na mente
Sou um cavalo de Troia
O cheiro do eu é combustível para o corpo
Sensação plausível
Para que a carne chegue a ser gente.
III) Morte
É o viver que nos faz mortos
E a morte que nos faz viver.
O corpo é um pranto contínuo
Dois lados de um vinil
A ambiguidade da ideologia humana
A aprendizagem
O credo
Ciência e religião
Doutrina do dia-a-dia
A heresia de findar o que não seja próprio.
O baldio de terra revoltada
A comichão que é a putrefação
O oco da existência:
Só sobrar pó e osso
Este negro tem um sabor erróneo
Este peso tem um valor justo.
O valor da vida
Só é estimado
Se a morte não calar a memória.
IV) Vazio
A semente do fim já germina
Em ecos soltos
E pensamentos quebrados pelo silêncio.
O sangue que jorra diluído
A exaltação do incógnito, a tardia
Arritmia de um músculo frívolo.
A música que toca é já o passado.
Quase como se o hoje fosse ontem,
O ontem amanhã e o amanhã fictício!
Dentro da morte existe o corpo
Dentro do corpo existe o eu
Dentro do eu já pouco existe.
Num momento diminuto
O que havia já não há.
O vazio sobra.
O vazio resta.
O vazio é.
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