
Era uma vez,
Numa longínqua Terra de quem o tempo esqueceu o nome e onde o pôr-do-sol iluminava de forma cintilante os recantos escondidos das pradarias selvagens,
Um rapaz que fantasiava…
Fantasiava o dia todo, para ele aquele mundo era bem diferente e já lhe dizia sua mãe:
-“Pára de sonhar acordado João!”
Mas ele nem ligava… Adorava ficar lá no sítio dele, aquela pedra solta no cimo do monte, e vaguear com a sua mente para realidades diferentes.
Nunca soube porque o fez…
Interrogava-se constantemente porque razão seria o único que parecia sonhar para além daquilo que tinha,
Mesmo a sua irmã mais nova, na tenra idade dos oito anos, parecia não ser capaz de ver as cores numa parede branca!
“Burros” pensava ele…
“Não sabem o que perdem”…
O único que o compreendia era o seu avô, velho ressequido pelo tempo mas com uns olhos azuis tão vivos que diriam que era só natural se pudessem mudar o mundo...
Muitas vezes o ia visitar, o João!
Sentava-se perto dele enquanto este dobrava e retorcia o ferro para fazer mais uma chave…
Muitas vezes lhe perguntou:
-“Para que são todas essas chaves avô?”
Com um sorriso paciente dava-lhe sempre a mesma resposta:
-“São as chaves do coração Joãozinho… Não tarda, alguém precisará delas”
Nunca percebeu muito bem…
Também não lhe interessava muito… as suas visitas tinham sempre o mesmo propósito,
Esperava que o avô fizesse a sua pausa e depois, com os olhos a brilhar de entusiasmo dizia-lhe:
-“Avô, conte-me mais uma das suas aventuras”
O avô, contendo o riso, lá lhe fazia a vontade e o João ficava a olhar para ele…a admirá-lo…
Começava sempre com a mesma frase,
“Era uma vez…”
E é espantoso como, só através dessa pequena frase, o avô conseguia ser o que quisesse e fazer tudo sem sair do sítio…
Muitas histórias lhe contou o avô…
Gostou especialmente de uma entre todas as que ouviu,
e é nela que pensa quando está sozinho.
Era a história de um pequeno avião que se perdeu da sua família e teve de voar, sozinho, para os encontrar novamente…
O João adorou a história…
A forma como o avião enfrentou as dificuldades e, sempre forte, voou pelo céu livre até chegar a casa.
Mesmo sem o saber, adoptou essa história como um sonho seu, e enquanto pensava nela já não via o avião, mas sim ele mesmo a voar entre as nuvens.
Riu-se para si mesmo quando pensou:
-“É por isto que dizem que tenho sempre a cabeça nas nuvens”
Agora, sempre que podia, deitava uma espreitadela ao céu…
De tanto o fazer perguntou-lhe a mãe:
-“João, porque estás sempre a olhar para o céu meu filho?”
Envergonhado, o João respondeu com outra pergunta:
-“Minha mãe, será possível um homem voar?”
Sem perceber muito bem e atarefada demais para se preocupar a mãe disse-lhe:
-“Deixa de sonhar João! Anda-me ajudar que ainda tenho de preparar a janta e já estou atrasada”
E o João lá ia ajudar a mãe, mas ficava sempre aquele bichinho a remoer-lhe a cabeça, esperando que ele volta-se ao seu mundo…
Ao mundo dos sonhos.
Meses se passaram e o João continuava a sonhar o mesmo…
Em todas as visitas ao avô ele pedia-lhe para contar mais coisas sobre o céu, sobre as nuvens… sobre voar…
Mas dizia-lhe o avô:
-“Nenhuma história é tão boa quanto a própria… tem calma meu rapaz, chegará a tua vez”
E o João acreditava nele.
E foi quando mais precisava dele, dos seus conselhos…
Que o avô partiu…
Dizem que foi da pouca comida que ingeria, mas o João nem queria saber,
A dor era tanta que mesmo os sonhos se foram embora com medo…
Desta vez ele estava mesmo sozinho.
As palavras de conforto da mãe não tinham qualquer efeito e ele fugiu…
Fugiu e escondeu-se lá naquele sítio que toma como dele…
Lá ele chorou a partida do avô…
Lá ele amaldiçoou a sua sorte e disse que nunca mais iria sonhar na vida…
Ficou lá horas e horas a fio, sem coragem de levantar os olhos para o céu,
Acabou por adormecer…
“João!”…”João! Estás-me a ouvir rapaz?”…”João!”
“…Hummm…Avô?”
“Sim rapaz… Sou eu…”
“Avô?... Avô! Avô! Estás vivo, voltas-te!”
“Não meu rapaz, não voltei… mas não fiques triste João!”
“Não fico triste? Mas como posso não ficar? O que será de mim sem o avô?”
“Meu rapaz, tem calma…”
“Não! Não, por favor avô volta… Quero ouvir mais histórias tuas…”
“Não fiques assim João, eu estarei sempre contigo… E já te disse, as melhores histórias são as próprias…agora vai fazer as tuas, vai…Um dia destes quero que me contes tudo…”
“Mas avô…”
“Vai meu rapaz, vive a vida…Voa”
Meio estremunhado o João acordou já o Sol estava a desaparecer no fundo do planalto…
“O que foi isto” pensou para si próprio…
“Falei mesmo com o meu avô?”
Olhou para o céu já sem qualquer receio, as palavras que o avô lhe disse na sua conversa secreta transmitiam-lhe segurança e conforto…
Pensando no avô e em tudo o que passou com ele,
Disse alto para que este ouvisse bem no sítio onde se encontrava agora:
-“Sim avô, Sim… Vou viver a vida da melhor maneira possível e aproveitar cada momento”
Dito isto, desceu da sua pedra especial e dirigiu-se para casa…
Sabendo que, um dia, iria contar ao avô todas as suas aventuras enquanto voassem pelas nuvens daquele céu azul!
Ricardo Costa, O Contador de Contos



