I)
Calor que arde nas ruas iluminadas
No ar, perfumes e vozes cristalinas
Ventos quentes que dobram esquinas
Dança e gestos, vozes entrelaçadas.
Pele que brilha: pernas cansadas
Olhares secretos pelas cortinas
Multidão de gente com brilhantinas
O dia avança: pessoas suadas
Sob o céu ardente, a pele inflama
Ruas que se misturam com o calor
Que se sente mais do que chama.
A cidade vibra em intenso fulgor
Pitoresca na luz que derrama
Horas vastas que nos faz transpor.
II)
Juventude em corridas audazes
Risos soam nas praças cheias
Entre sonhos, promessas e ideias
Brilham livres espíritos vorazes.
Infâncias soltas em jogos tenazes
Ai, que hino eterno, doce epopeia
Que a liberdade em nós semeia
Em gestos vivos, movimentos sagazes.
Na corda bamba da juventude
Rimam palavras com alegria
Tudo se transforma em virtude
Assim floresce a idade em poesia
Transformação que em tudo alude
Há efemeridade do meio-dia.
III)
No coração da praça agitada
Vozes que se erguem perdidas no ar
Pregões e cantos sempre a pautar
A volúpia da hora apressada.
A fruta em cor quase pintada
Cheiros de especiarias a pulsar
Ondas de seres como ondas de mar
Toda a vida justamente celebrada.
Som que vibra, mistura desvairada
Ritmo do dia em pleno passar
Multidão quase extasiada.
Do sereno caos quase a queimar
Apogeu da estrela livre e alada
Belo mercado: beleza de pasmar.
IV)
Na pressa do dia, mil rostos inteiros
O labor em mãos, sustenta a vida
Da hora que corre e se faz bandida
Encenação de inúmeros roteiros.
Encontros fugazes e ligeiros
Ruas que suam em cada sorvida
Mais um segundo, mais uma despedida
Novos olhares, perfumes e cheiros.
Move-se a mão e também o olhar
A doce correria do querer viver
Multidão a passar, a vir e a cruzar.
Em cada gesto, um novo renascer
Em cada encontro, um novo amar
Na despedida se começa a entender.
V)
As árvores dançam com a luz do dia
O vento cresce, como cresce a hora
Balanceia com força sonora
No alto, o murmúrio verde bramia.
Canto dos pássaros, o sol ardia
Que brisas acariciam a flora?
O cerne derradeiro pós aurora
O florescer do ar: a ventania.
E cada folha ao sol se rende
Sussurros verdes entre os ramos
Música suave que ascende.
Momentos efémeros que criamos
Sorriso alegre que a nada se prende
Bem no fundo somos o que amamos.
VI)
No espelho liquido a luz adormece
Verão ou Inverno: tudo fica igual
Reflexão dos raios pelo caudal
Divina beleza que transparece.
Ai meio-dia! Que em mim esmorece
Catadupa de sensação corporal
Água fresca de sabor surreal
Ilumina a alma e entardece.
Riacho corre em desenho ameno
Pintura em azul clandestino
No verde que brota pelo terreno.
Trajeto de luz sem qualquer destino
Metade do dia sempre sereno
A qualquer hora sempre genuíno.
VII)
Tão breve a hora que mal se sente
Tictac do relógio tímido e suave
O sol que se faz sentir mais grave
O dia que se faz sentir mais quente.
Lentidão num instante sem patente
Segreda o tempo sem entrave
(H)Ora corre como ninguém sabe
(H)Ora arrasta-se lentamente.
E assim o meio-dia transmuta
Envelhece como um bom vinho
Madura o dia, madura a luta.
Certo ou errado: é o caminho
A passagem do tempo labuta
Para que no fim reine o carinho.
VIII)
No céu derrama-se a luz dourada
O prazer que é sentir a alegria
Aos ouvidos sublime melodia
Até nos ossos é encontrada.
Assim começa a tarde ensolarada
Felicidade que tudo cingia
Que em nós próprios acolhia
Um instante que a vida eternizava.
É o dia como se fosse o viver
Luminosamente efémero e certo
Sem barreiras para se conter
Quando o sol fica-nos mais perto
Sentimos a tarde a querer nascer
E tudo em nós fica desperto.
sábado, 11 de outubro de 2025
Manhã
I)
A aurora serena se declara
Ao nascer, como que se ilumina
O horizonte em luz cristalina
Que de cor radiante se aclara.
A leve luz que batiza a cara
Quietude matinal que fascina
Um renascer que vem de surdina
Sobre os longos campos que banhara,
O novo dia é brisa que ascende
Riso e calor, vontade de viver
Caminho audaz em que se aprende
Um passo firme que nos faz crescer
Numa solidão que se transcende
Um novo dia: suave renascer.
II)
Do orvalho nasce a vida apaixonada
Que tudo molha em sua passagem
Onde prevalece a leve miragem
De alegria ténue e delicada.
E é nesta luz imaculada
Que todos os jardins em folhagem
Nos apresentam a paisagem
De beleza rara e sagrada.
O despertar do dia soalheiro
São flores soltas que germinam
Epílogo de um novo roteiro.
Com sons novos que tanto fascinam
No início de cada janeiro
Pelos meses restantes que ruminam.
III)
O bater de asas, terno como sina
Que nos completa toda a razão
Barulhento bater do coração
O chilrar que acorda e ensina.
A imagem que fica na retina
Deixa uma subtil recordação
Da manhã e sua doce canção
A mais natural medicina.
De ramo em ramo se anuncia
Várias vozes de um paraíso
A declamação de poesia.
Canto no ar, um breve aviso
O bater de asas como alegria
Iniciar o dia com um sorriso.
IV)
Respirar profundo do sabor
Uma leveza puramente matinal
O gosto do café natural
Os raios de sol em esplendor.
Do forno eleva-se firme vapor
Cheiros em sintonia musical
Pura sinestesia quase floral
Aquece o corpo com amor.
Parte íntegra de cada dentada
Combinação mais do que perfeita
O começo após madrugada.
Um sorriso na boca suspeita
Da rotina serena e amada
Da manhã que se ergue e enfeita.
V)
Caminho pela rua isolada
Eco dos passos: breve saudação
Dos raios de sol, uma ilusão
Dos prazeres no fim da estrada.
Dança a manhã na luz prendada
Nos sapatos onde corre a emoção
Sem princípios de vil confusão
Caminho pela aurora condensada.
Um estado de espírito audível
Uma clara sensação de liberdade
Manhã e amor: união indivisível.
A cada passo, cada novidade
Uma felicidade quase tangível
Caminhando com cumplicidade.
VI)
O sol desce entre nuvens vadias
Rouba os sorrisos indiscretos
Nos rostos felizes e inquietos
Que desde cedo tecem suas cortesias.
A calma da luz sem heresias
Brilho nos olhos e ternos afetos
Paixões e amores secretos
Manhã com risos sem ironias.
Cada riso guarda um segredo breve
Em cada segredo em nós cresce
Uma alegria que mais não deve.
Inicia o dia e assim floresce
Uma sensação que não se conteve
De sorrir enquanto rejuvenesce.
VII)
Todas as sensações são renovadas
Manhã que amadurece sigilosa
Numa esperança milagrosa
Sonhos: poesias fabricadas.
Assim acabam as madrugadas
Limpam a solidão tenebrosa
Fantasia real e rigorosa
A vida segue em suas jornadas.
Respira o capítulo seguinte
Segue o dia com cor profunda
Caleidoscópio, luz e requinte.
A esperança não é vagabunda
Existe para nosso deleite
No coração por demais abunda.
sábado, 27 de setembro de 2025
Luz que apaga
I) Memória
O masoquismo de querer a solidão tira-me
O apetite de descobertas.
Dizem que na origem se esconde a resposta
Mas só acho repercussões inaudíveis de
Momentos contraditórios ao estado de
Espírito.
O registo quotidiano
É uma arquitetura passageira de gestos e
Palavras,
De perfumes e sabores que salivam
Recordações.
Um testamento insidioso de uma peça de
Teatro que se auto-proclama vida,
Mas que se encolhe perante cada equívoco
Cinematográfico.
Há sussurros que ainda ecoam nos passos
Em sintonia com a desventura.
Há gritos que ainda invadem o sossego que
É ser algemado justamente.
Recordar é um vício sem antídoto.
É escolher o que fica e o que se perde.
Recordar é um vício sem antídoto.
II) Dor
A arqueologia da dor não é ordenada.
A dor nasce do silêncio húmido,
Torna-se uma lâmina que se afia sozinha
Nas lágrimas que crescem como ferrugem
No peito.
Corta
E
Retalha
Torna-se, por vezes, bela
Uma beleza de sombras que mascara todo
O sol, todo o calor.
Com veemência constitutiva, a dor é uma
Aprendizagem
As poeiras do tempo rasgam as folhas de
Instruções -
"Como ultrapassar a dor"
Mas as cicatrizes permanecem mais vívidas
Que tatuagens na carne.
Corta
Subsistimos por omissão
Amadurecemos por supressão
Aprendemos por adição.
Retalha
Mesmo que tudo termine bem, a terra que
Nos serve de lençol
Nunca é tão dura como as lições que a sina
Nos confessa.
III) Esperança morta
Os dias persistem de forma estranhamente
Diária.
Tudo o que foi ontem, repete-se hoje de
Uma forma subtil em trejeitos de cópia
Pálida.
Demasiado fácil supor que amanhã tudo
Será distinto
Mas está morta toda a crença que foi
Plantada em solo estéril!
Subjazem tristezas perdidas no odor de
Cada lágrima
Cada pensamento.
E no limiar das vivências apresenta-se uma
Sôfrega solidão de um naufrágio em plena
Discordância.
A sepultura do otimismo.
O túmulo da confiança.
Peçonhenta alegria que brota das
Transgressões humanas para com os
Próprios.
O amanhã já nasce cadáver.
Frio e repetido
Frio e repetido
Frio e repetido
IV) Silêncio
O silêncio é o carrasco da sabedoria.
É uma fala muda e uma escrita invisível - o
Tumulto das gargantas em cânticos
Satanicamente piedosos.
Por vezes é resposta.
Por norma é pergunta.
Numa razão parcialmente humana o
Silêncio age como cúmplice de toda a culpa
E premeia o suicídio artificial das emoções
Contidas nos crucifixos quotidianos.
É espada que não fere.
É pistola que não dispara.
Sendo o parágrafo final
Um sossego tenebroso de uma ira
Desajeitada
A surdez na presença das verdades onde se
Guardam todos os segredos que apodrecem
Incólumes.
É a noite: é o vazio.
A forma de matar com a paciência de mil anos.
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
Raízes do abismo
I) Identidade
Ao despontar no mundo, um
Toque e aroma de espinhos
Corre a tinta adiante o prólogo.
Sinto-me cada vez mais, mais só,
Mais eu - matéria secreta.
Aprendo-me ao observar num reflexo
Um espelho que torce a alma
Os olhos quase que de ninguém
Reconhecimento na terceira pessoa!
As batalhas são feitas para os vencedores
Instante da disparidade, um objetivo
Analogia do ser, periodicamente
Mais opulento que autêntico.
No epílogo da vida ainda me desconheço
Mas no auge da inexistência já sou eu.
II) Corpo
A mecânica da vida
A transfiguração latente de uma ideia
Um move-move que cresce
De forma natural e distinta
Torneando a alma amorfa
Imutavelmente inconstante
Numa coisa palpável de deslocação finita.
Um braço ou uma perna
Quiçá o coração, na boca, na mente
Sou um cavalo de Troia
O cheiro do eu é combustível para o corpo
Sensação plausível
Para que a carne chegue a ser gente.
III) Morte
É o viver que nos faz mortos
E a morte que nos faz viver.
O corpo é um pranto contínuo
Dois lados de um vinil
A ambiguidade da ideologia humana
A aprendizagem
O credo
Ciência e religião
Doutrina do dia-a-dia
A heresia de findar o que não seja próprio.
O baldio de terra revoltada
A comichão que é a putrefação
O oco da existência:
Só sobrar pó e osso
Este negro tem um sabor erróneo
Este peso tem um valor justo.
O valor da vida
Só é estimado
Se a morte não calar a memória.
IV) Vazio
A semente do fim já germina
Em ecos soltos
E pensamentos quebrados pelo silêncio.
O sangue que jorra diluído
A exaltação do incógnito, a tardia
Arritmia de um músculo frívolo.
A música que toca é já o passado.
Quase como se o hoje fosse ontem,
O ontem amanhã e o amanhã fictício!
Dentro da morte existe o corpo
Dentro do corpo existe o eu
Dentro do eu já pouco existe.
Num momento diminuto
O que havia já não há.
O vazio sobra.
O vazio resta.
O vazio é.
quinta-feira, 18 de setembro de 2025
A fervura do invisível
O invisível arde, firme e sóbrio
Ferve como uma solidão intensa
Transparentemente dele, próprio
Que incendeia sem ter presença.
Cada gota que o corpo alimenta
Procurando prender o ar em si
Incómodo que já não se aguenta
Sensação de não estar aqui.
É como um sorriso indefinido
Vestígio de calor residual
Uma miragem: abraço sentido
Secura que roça o paranormal.
É feito à minha imagem: oculto
Mesmo as lágrimas são mar quente
Toda a vida se torna insulto
Se deixarmos o calor dormente.
Cansaço circular
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo café, o mesmo sabor
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo silêncio, o mesmo labor.
O mesmo caminho, passos contados
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo relógio, segundos cansados
O dia começa igual ao de ontem.
O mesmo cansaço, vil lamento
O dia começa igual ao de ontem
O dia começa igual ao de ontem
O mesmo silêncio, rude sentimento.
O dia começa igual ao de ontem
A mesma sentença, sempre fadiga
O mesmo fado, triste cantiga
O dia começa igual ao de ontem.
O dia começa igual ao de ontem
O dia começa igual ao de ontem
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
O voo das pombas ao amanhecer
Amanhecer: Vida caoticamente calma
Entra a luz nas sedas do sono
Pernas abraçadas ao sal da alma
Suave brilho num severo trono.
Janela que abre nas pinturas de céu
As cortinas e pombas a flutuar
Conquistam o ar - régio troféu
Movem-se sem necessidade de ensaiar.
O eco das assas é a voz do desgaste
Cordas vocais do fim do mundo
Prisão de carne: em contraste
Liberdade da mente: um segundo.
A calma aquém da tempestade
O negro do vento trauteia solitário
Pensamento em prol da saudade
Contemplando sem ser contrário.
Ao longe a pomba - voa livremente
Liberta do medo da sombra e ironia
Fecho os olhos e suavemente
Renovo em mim o ritmo do dia!
O tempo: A prisão
Cada segundo é uma adaga
Um instante de sonoridade escura
Grilhetas de mentira confessada
Ironicamente ausente e vaga
No relógio com história apagada
Na lágrima que produz secura.
Ampulhetas que me sangram o peito
Festim dos deuses e demónios
Derrete-me os pulsos, contrafeito
Da vida sem sombra de proveito
Sem norte, sem sul, sem jeito
Certa dos seus antónimos.
Na cela da carne, o tempo é nefasto
Ele que se veste de ausências mudas
Beija-me as faces de coração gasto
Garras que pintam sem deixar rasto
No universo colericamente vasto
Escrito e dito segundo a lei de Judas.
A prisão do tempo é um ensaio final
Um sabor destruído, vil e certeiro
Cárcere milagrosamente incondicional
Ecos de um grito primordial
Pleno, vivo e quase irreal
Fecha-me os olhos com um gesto derradeiro!
Beleza pouco tem que ver com verdade (Haikus)
Suculenta beleza
O inóspito. O ser
Chora por medo.
Distopia: o ar
Abraços contundentes
Retratos ao sol!
Página branca
A espada na pedra
Alma repleta.
Noite de luar
Olhos desmantelados
Sem verdade.
Grito do fado
Flores como segredos
Reflexos vagos.
Prisões: perceções
Esperança de amar
Espelho da dor.
Perseverança
O ruído disforme
Mente sadia.
Nada que reste
Sombria e distante
Triste beleza.
Falta de sonhos
Mais vale silêncio:
Real certeza.
Poemas de silêncio e ruína
a)
Sodomiza os meus versos
Sê quimérica;
Mostra a audaz cobardia
Simulando
Um rumor utópico
Do maior
Provérbio de amor!
Emudece
O troar do sossego
E concebe
Sem dó
Com piedade
Um relato vazio
Da narrativa muda.
b)
A presença da ausência
Um terror
Um tremor
Vassalo sem falência
Uma dor
Um calor
Satura a consciência
Um pudor
Um amor
Conveniente demência
Um rancor
Um furor
Essência da cadência!
c)
E um cansaço
Um corpo falido de uma comoção
Comprada
Subornar alegrias
É um propósito
Intento a tentação das tentativas
Alienado
Por um fatalidade motriz.
Sucumbo
Ao júbilo da inocência
Que é ser inexistente.
O declínio do ser
O escombro da vida
A ruína e o silêncio.
Amor louco de insanidade dormente
Em qualquer dia que faltam dias
Juro-me insaciável de emoções
Prego, ó blasfémia, destilo sensações
Tudo padece de falsa harmonias!
Cerco-me de utopias insanas
Planto o pé, finco o coração
A fase das mitologias urbanas
Sintetiza mais que solidão!
Crescemos do ambíguo vácuo
Poderosos por poder decidir
Mas sem voz, sem nós, ausentes.
Lutamos pelo abismo estático
Que se fantasia de elixir:
Amores loucos de insanidades dormentes.
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