domingo, 22 de agosto de 2010

Ascende a uma fadiga

Não espirres! Observa o branco das fotografias e figuras que os teus pés
traçam na areia dura de pedras
e formam palavras para o teu livro surripiado de uma estante perdida.

Dá as vozes aos mudos e remete-te ao teu desgraçado silêncio.

Ascende a uma plácida fadiga,
e deita-te nos ferros pontiagudos que te causam prazeres sádicos.

Abandona as luzes.

Apaga as velas do teu jantar (pseudo)romântico.

Põe-te em marcha lenta para nenhures.

Calca as pisadas passadas e remove cada ramo do lugar,
descalço,
para a dor sem bem real e te lembrares de cada passo.

Pede uma chávena de café gelado.

Forma um sim ao fechar os olhos,
e ensina o derradeiro valor do esquecimento.

Faz-te prazenteiro de amizades que fazes enquanto estás fechado em casa.

Grita em agonia, mas não estudes os gritos.

Sente só a raiva que flui pelo rio que se corre mesmo sem sapatilhas.

Não bebas água.

Cospe para o chão o cansaço que tens de sobra.

Adormece num nada de sítio, sem colchão ou cobertor que te tape,
e, sendo homem, deixa o sangue correr livremente.

Rouba para comer, e faz-te miserável na tua fartura.

Apreende todas as glórias entre os dentes e rasga a carne em encenações canibalescas.

Produz-te todo,
em perfumes e roupa cara, e leva o teu coração
a um suicídio digno de Rei.

Aprende a ser paciente, deixa as horas trabalharem.

Sê poeta falso, sendo a falsidade que julgas ter
um pouco da verdade que queres que seja esquecida pelos outros.

Cansa-te só de respirar e dá o ar que usas a outros.

Planeia uma loucura sedutora, uma enxovia de alucinações que te mantêm calado.

Fala alto,
para as tuas palavras alcançarem qualquer coisa.

Enforca-te numa tarde de Domingo, e tira o brilho a notícias sem jeito de ser.

Conta histórias de embalar à tua morte recém-nascida,
e diz-lhe que todos os buracos são uma nova casa para o teu descanso.

Nunca deixes a tua mão de fora.

Quem pedir para a espreitar, mostra as canções das estrelas para lá do espaço,
e das tentações que pousam no teu telhado.

Dá-te a ti um presente segredo.

Parte os braços ao abrir para teres uma alegria contida pela dor.

Sê comediante de bancada e julga os que andam na vida com as pontas dos pés,
tu que andaste com as plantas rasas
e com mais uns quantos de reserva.

Sobe há tua cama,
e deita-te; dorme; descansa; levanta-te; deita-te de novo;

Regula o teu sono para apanhares a luz da janela do lado esquerdo quando acordas.

Abstêm-te de comprimidos para dormir,
e nunca,
nunca maltrates os papagaios no parapeito.

Ganha juízo de velho e olha sem mexer.

Compra um caderno barato e desenha-te nu, com giz colorido,
e come os restos de frutos que caem da árvore no teu jardim.

Deixa que os furões corram livres para dizer as novidades aos seus amigos.

Nunca digas que estás pronto.

Aguenta a vontade e a ânsia de ser mais rápido, mais forte e melhor.

Lembra-te que o fim é igual para todos.

Faz de ti um carvalho caído no chão da floresta: sereno.

Pisca os olhos em flexões de pálpebra,
e cura todas as agonias numa porção de álcool.

Utiliza a filosofia mundana para preparares o teu folclore,
pinta-te de cores garridas
e sê, por uma vez, a alma da festa.

Anseia a tua liberdade.

Não ocultes os raios de Sol que te queimam as costas.

Não te afogues em lamentos
e permite aos seres do mar nadar sem uma poluição vermelha.

Fica sem saber como poderia ter sido se...

Limita-te a ser levado pela fadiga

Descansa...

Ricardo Costa

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