sábado, 21 de agosto de 2010

Nunca esperes por ti

Nunca esperes por ti.

Fecha a ganância e a página aberta
de um afago morto
que se arrebata de carinhos no teu colo.

Não deixes os teus olhos verem: cegos.
Tapa a visão com o pano de lamurias aos ouvidos,
mas não aquelas que matam,
mas sim as que ferem e apodrecem o teu sentir.

Pensa em ti como pensas em mim: nada.

Colhe os frutos de uma má colheita,
empina o nariz a portas abertas de boa vontade
e faz-te sombria ao sol
quente na brisa fresca
e triste só por feliz ter menos letras.

Come as letras f do teu vocabulário.

Não mais pronunciarás em silêncio a palavra
que te arrebanha o coração
e te deixa leve e segura no nevoeiro.

Deixa que as horas se esqueçam.

Prende a chave ao pescoço e fecha o amor,
atira-te ao poço só e frio
e agoniza as feridas ensanguentadas das facas rombas
que as verdades empunham.

Perde as forças dos braços para não te segurares a esta vida!

Vê-te nos espelhos dos falsos,
e chora há tua maneira: rindo.

Receia as luzes e os natais, os presentes e os elogios,
morre desconhecida
e conhece-te mais morta.

Fala para ti sem dobrares a língua tal os golfinhos se banham
e as flores se cumprimentam.

Nunca deixes só o revólver,
não vá ele matar-se para que a tua vida seja poupada.

Escuta as vozes dos corvos negros: Tua morte próxima está;
e escreve no teu diário do desespero
o desespero que querias sentir
se já não estivesses morta por dentro.

Arrasta penosamente o teu lamento.
o teu fluir disfarçado de andorinha, de Branca-de-Neve!

Torce o teu corpo nu,
e enche a boca de beijos pré-feitos e secos de calor,
como um fogo gelado
e uma paisagem morta pelo fogo!

Nunca esperes: sentada, deitada ou de pé;
Deixa-te dormir no travesseiro sobre a cama desfeita de metal,
e baseia-te numa dieta de vida,
nunca relances o olhar por cima do ombro para as aves e nuvens.

Bate as janelas e fecha os vidros!

Despe-te para a noite, de papel na mão e escreve.

Mas nunca esperes por ti...

Nada tens a fazer para além de morrer sozinha!

Ricardo Costa

Sem comentários:

Enviar um comentário