quinta-feira, 1 de julho de 2010

Estação

Cai o Sol sobre a mesa de madeira
onde panos esfarrapados cantam por si,
e os raios aquecem a neve de ontem.
As nuvens passeiam no céu
entre conversas da brisa ligeira.

Acorda a noite no fim da manhã
levemente alcoolizada de aromas e
sabores desgostosos das paredes sujas.
Caem no chão de pedra
os ramos secos e revoltados
das árvores desfeitas que se calam.

Saem as aves á rua,
nas suas casacas de cores floridas
e pios desafinados no fresco matinal,
escondendo-se atrás da neblina
os focinhos peludos dos animais rebeldes.
As flores cheiram o ar
e levantam a cabeça para o mundo
ver as suas lágrimas de cristal.
Brincam já as crianças nos jardins,
saltitando alegremente
nas suas correrias desenfreadas e
rindo entre elas olhares que o vento leva.
Homens de mala e fato
fecham os seus sorrisos em face dura,
enquanto correm para apanhar as horas.
É nessas estações de cidades perdidas
que jovens de saco feito,
garrafa na mão e guitarra a tira-colo,
se fazem ao mundo
que se abre em linha recta para lá do horizonte.
Desatinos e incertezas crescentes
e só as raparigas, já bem delineadas,
se apercebem do mau cheiro que o fumo faz
enquanto se despedem dos seus irmãos,
ou amores, nesse triste dia que se vai.

As luzes dos candeeiros de rua já
se ouvem ao longe, no fim da linha.
As mulheres solitárias, de sapatos
descalços, vestem o seu melhor fato de noite
e deitam-se nos seus colchões de papelão,
e puxam para si os seus poucos pertences.
Os revisores de fato lavado
metem-se nos carrinhos baratos
e vão para casa, para a sua comida já
resfriada e mulher doente.

O relógio marca meia-noite.

O comboio parte...

Ricardo Costa

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