Placidamente sereno
escrevo
caracteres brancos
no meu caderno fugido.
É quando não sou
que, nessa inexistência,
se materializa
uma imagem minha
que nas terras do chão morto
cria furacões
e vendavais de inquietos
pensamentos.
É o trocar de passos
e compassos
acariciando as sombras
que se admiram
no espelho partido.
É quando não existo
que converso comigo mesmo.
Sem dizer palavra
e cada átomo meu
se resigna num silêncio que
ecoa,
os meus cabelos pesados
dão nós cegos nas réstias
de sentimentos
que me saem de rompante.
É apenas um vazio.
Um pensar por cima do pensar
e pensando
que o pensamento se desligou.
É uma treta dramática,
um afecto de alma
com as mãos enluvadas
e vestidas de preto.
É apenas um pouco de nada.
Quando não existo
eu existo.
E quando existo
não sei bem se existo mesmo.
É uma confusão confusa,
só o enterrar do corpo seco
e disfarçar o cheiro acre,
para nenhum abutre fazer de mim
um repasto satisfatório.
É quando não existo
que me vejo com novos olhos,
e me limpo de impurezas
por purezas menos impuras
que me apuram os sentidos.
É quando não existo
que realmente vivo e penso.
Escrevo.
E voo rasteiro junto ao chão
com os pés na terra húmida.
É quando não existo
que existo.
É quando existo
que não queria existir.
Quando não existo
as cores do que escrevo
são sempre melhores
do que a realidade bruta
que me tortura
e me castiga as costas.
Portanto,
é quando não existo.
É quando não existo
que realmente existo.
E tiro algum proveito
da minha vida monocromática
que, no fim do filme,
reinicia de novo a sua
história melodramática.
É quando não existo...
Que vivo...
Ricardo Costa
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