Não deixa de ser.
e quanto mais o é, menos
o sou, acordado no meu dissabor
que boceja e liga as pontes desfeitas,
uma ternura que se esvaiu
no fumo poeirento
que os aviões levantaram.
é o momento ausente de tempo
que não deixa de ser quando já o é.
qualquer coisa de fútil,
aquela coisa que te embaraça em cordas
suspensas ao pescoço,
te retira o chão por baixo dos pés feridos
que, sendo cegos,
percorrem com dificuldade.
e são os teus olhos húmidos da loucura,
os teus dedos tortos da amargura
que fazem os laços de vida que penduras
nas videiras do teu quintal.
não deixa de ser uma coisa falsa
essa coisa falsa que se faz de verdade.
podia ser coisa diferente,
gritos de dor quando nada te dói,
choro de criança quando alegre estás
e raiva de viver quando
o que mais queres te dá a mão e jura,
com a espada no pensamento, não mais largar.
mas não deixa de ser,
não deixa de ser aquele punhal ferrugento
que te corta e recorta o mutilado
peso morto que carregas ao peito.
não deixa de ser...
mesmo quando o fogo nos consome,
e as cinzas dos nossos tristes corpos
rumam ao sabor do vento,
não deixa de ser.
não deixa de ser.
Nunca deixa de ser...
Ricardo Costa
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