segunda-feira, 19 de julho de 2010

A mulher sorridente

Pequeno espezinhar da flor.

De pés descalços e braços frouxos
uma transparente alegria
ou infinita proporção
de desgraça simulada.

A mulher sorridente
faz seus cálculos em papel
deixando cair a cabeça
nos ombros de quem a ampara.

Dormindo,
sem saber, que o que sabe
é mais que o que julga
razão para errar.

Sim
fabrica um som

No cessar repentino
de todo o silêncio feito
de tons de cor neutra
e sujidade entranhada nos
bolsos de quem leva a mão
à cabeça.

Só se sabe a mulher sorridente
que do sorriso
se lembra das lágrimas
derramadas no travesseiro sozinho.

Tudo o que resta,
sentado a uma canto larga
prantos de agonias viciantes,
drogas de mente
e certos fumos viajados
em qualquer medicina alternativa.

Quando espreitas pelo retrovisor,
a rua que acaba
mostra-te uma mulher velha
e morta num canto,
cantando nas sombras uma luz
falsa e vontade
de uma razão nova para aceitar
a razão de existir.

Quadros pendurados
nas paredes desfeitas.

Uma solidão em forma
artística que agradece
a não-aceitação,
afluindo em massa
para um local de suicídio
conjunto.

Diabo à espreita nas janelas
cobertas com cortinas
já comidas pelas traças!

As casas caem em pó.

A mulher sorridente
nada mais pode que permanecer morta
e fechada no seu
sorriso,
já leve de si
e de todas as correntes
que lhe emagrecem as tristezas.

Pisa o relvado sintético
de um jardim moderno.

Uma necessidade,
e a pequena bala lá está
esperando na flor
que não aguentou o peso.

Continua sorridente,
a mulher,
e sorri para o Adeus
que se encolhe para fugir
à chuva.

A flor vende-se,
procura carnal de carne fresca
e enjoo matinal.

A mulher não vê
e finge ouvir mal
perdendo-se em devaneios
roubados de um outro estendal.

Passa por ela
e calca o colchão de terra e lama,
sorri-lhe por detrás
dos olhos fechados
num silêncio cúmplice
de amigas já esquecidas.

É o fim do dia.

É o fim do capítulo.

O sorriso vai-lhe ondulando
tristemente pela face enrugada
onde o suor abunda
e lhe cai pelo queixo.

Mais tarde,
no fim do jardim...

A flor já está sozinha
só lhe restando a marca dos pés
que a mulher sorridente
lhe deixou de presente amargo!

Ricardo Costa

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